Sim, nós também temos vida pessoal.
Quem tem empresas por sua conta sabe do que falo. O momento em que o telemóvel fixo deixou de fazer parte da realidade das micro-empresas e deu lugar ao telemóvel corresponde ao exato momento em que as pessoas perderam a sensatez e a noção do razoável. Os clientes pensam que pelo facto de haver um telemóvel como contacto oficial da empresa, deixa de haver limites para se poder ligar. Todos os assuntos ganharam um caráter de urgência que, regra geral, nunca têm. Deixou de haver respeito e limites. Não raras vezes me ligam aos domingos e feriados, o que me deixa a mim e ao J. nas horas. Ontem foi o cúmulo: ligaram-me à meia noite e vinte, já eu dormia. Perante este estupidificante estado das coisas, só há uma atitude a tomar: ensinar e aprender a mal. A nova realidade obriga, por isso, a que a montanha vá a Maomé. Se há quem tenha perdido a noção e o respeito pelo trabalho dos outros, teremos então de ser nós, desde lado, a dar essa "lição", desligando os cartões da empresa ou ignorando, simplesmente, todos os contactos fora de horas. Custa, mas a bem da nossa saúde, calma e vida familiar, temos de ser mesmo inflexíveis neste ponto.
Acho o ponto a que chegámos um absurdo total, mas não posso agir de outra forma. Nem sabendo que não estaremos a trabalhar em certos dias, as pessoas se coibem de contactar. Felizmente, a minha objetividade e sensatez não me fazem dizer sim a tudo e a aceitar chamadas a qualquer dia e hora apenas pela fome de clientes. Mas acredito que haja quem o faça. Em momentos menos favoráveis, é tentador. Mas estamos num estado tal, que se a regra não for imposta por nós, não é respeitada por ninguém.
Nunca há uns anos imaginaríamos este cenário. Mas é atual. E bem menos lírico do que se possa imaginar. É mais um dos lados menos doces da tecnologia. E de sermos empreendedores, no fundo.